Moda Sem Gênero Além do Produto

RELab Criativo
6 min readJun 23, 2021

Camisas Tcha integra mulheres transgêneros e travestis como protagonistas no desenvolvimento de sua coleção

foto em close up de duas mulheres, sem mostrar o rosto. Estão bordando em uma mesa de madeira ehá tecidos e ferramentas sobre a mesa.
Camisas Tcha e o Coletivo Trans Sol em ação. Créditos: Maria Spector

No mês do orgulho LGBTQIA+ muitas iniciativas surgem e debates acontecem das mais diversas formas para trazer maior visibilidade à comunidade. No âmbito da moda há projetos e marcas que vão muito além das celebrações de junho, atuando como agentes de transformação social, com transparência e inovação e realmente praticando a sustentabilidade.

Uma destas marcas é a Camisas Tcha, que lançou no final de 2020 sua primeira collab com o Coletivo Trans Sol, com bordados autorais mais que especiais. A Camisas Tcha é uma marca de moda sem gênero, plural, usada como ferramenta de transformação social. Com o trabalho de reuso de tecidos descartados, a Tcha também começou a produzir em uma cooperativa de mulheres que buscavam melhores e mais éticas relações de trabalho na indústria têxtil, a Retrósvestcostura. Já o Coletivo Trans Sol ensina mulheres transgêneros e travestis por meio da moda, costura, bonecaria e artesanato.

Acompanhe a entrevista do RELab Criativo com a Bruna Valente, designer à frente da marca.

RELab Criativo > Bruna, de onde surgiu a ideia desta coleção com o Coletivo Trans Sol? Qual o significado?

Bruna Valente > A concepção da Tcha precisava se mostrar além das cores, que num primeiro momento, foi a característica principal da marca. Existia uma vontade por conta de um ano pandêmico, de muita mudança na relação de consumo, nos locais de venda, a migração para o (ambiente) online, e sentimos a necessidade de trazer uma nova camisa, uma nova túnica e sempre tivemos uma vontade de trabalhar com bordados. A Tcha sempre teve essa questão de (saber) quem faz a roupa, trazer toda essa transformação social, movimentar toda uma cadeia.

Partindo disto, o Design Possível sugeriu falarmos com o Coletivo Trans Sol. Entramos em contato e começamos a organizar, mas tivemos primeiro que capacitar tecnicamente porque não existia ninguém que bordava lá até então. Assim, existiu a Tcha atuando na capacitação dessa mulher, a Paula Muniz, para ela aprender a bordar, contratando a professora Lena Amano, onde a aluna pôde fazer várias aulas de bordado até começar a bordar as camisas da Tcha. Elas fizeram umas peças pilotos que aprovamos, e depois foi só uma questão de organizar quais desenhos iam ser bordados em cada camisa.

A Maria Spector, a artista que desenhou os bordados, os desenhou em algumas camisas para que elas pudessem pegar a ideia do desenho e aí foram bordando em cima.

foto com mãos brancas e unhas esmaltadas segurando um bastidor, mostrando um bordado feito com linha preta em tecido branco.
Desenvolvimento dos bordados com desenhos criados por Maria Spector. Créditos: Maria Spector

RC > A coleção foi feita toda em preto e branco, num novo diálogo com o tempo, e apesar de atemporal, ela marca um momento através dos bordados. Como foi a concepção criativa dos desenhos da Maria para os bordados?

BV > A conexão veio pelo aconchego do feminino. Entender a Tcha junto com traços da Maria, que traz desenhos acolhedores, que envolvem e que conectam, proporcionou um trabalho ainda maior, ainda mais potente, acima de tudo de união, compreensão e de um novo tempo.

RC > Quais são as peças da coleção, pensando nessa moda sem gênero, e como é a produção na Tcha?

BV > Além dos bordados, feitos com o cuidado e carinho pela Paula e ensinada pela Lena, ambas do Coletivo Trans Sol, tivemos a impecável parceira Cooperativa Retróvestcostura, sempre forte e à postos, não importa as adversidades, para costurar todas essas histórias.

Temos as túnicas e camisas bordadas à mão, assim como panous estampados, camisetas manifesto e ecobags produzidas com a também revolucionária e ecológica estamparia Ideia Crua, provando que o trabalho colaborativo, responsável e ético, não só é o único caminho, como também se provou ser o melhor para todos.

foto de uma mulher trans de cabelo cacheado vermelho na altura dos ombros. Está com olhos maquiados, usando uma máscara preta na boca e nariz, e vestindo uma blusa com amarração na frente branca, segurando com as mãos um cabide com uma camisa longa preta com bordado em branco.
Paula Muniz, do Coletivo Trans Sol, mostra um dos bordados finalizados, e a atemporalidade da coleção de moda sem gênero. Créditos: Maria Spector

RC > Quando aconteceu?

BV > Essa coleção fizemos pensada para o final do ano de 2020, foi lançada antes do Natal. Teve uma grande aceitação do público e levou a Tcha para lugares que até então a Tcha não ocupava. Ela é uma coleção atemporal.

RC > Nos conte mais um pouco sobre o impacto social.

BV > Essa coleção mostrou o quanto a Tcha chegou em espaços que normalmente a moda não chega e precisa chegar, dando visibilidade para as questões das mulheres transgêneros, em relação à vulnerabilidade social, escassez de trabalho e à falta de oportunidade. A Tcha constrói essa narrativa de não só trazer a moda para um lugar mais agênero, mais plural, com mais possibilidades para vestir mais corpos, mas como também uma marca pode ser agente de transformação social.

RC > Qual foi o aprendizado para você e para a marca?

BV > Foi um grande passo, tanto em termos de produto, quanto em termos de experiência nessa lógica de fazer negócio: na remuneração justa, processo de integração e capacitação da pessoa que bordou. Coloca a marca para mostrar e se conscientizar da importância da responsabilidade social, de como se relaciona com a comunidade que está por trás da produção da coleção.

foto de rosto de uma mulher trans de cabelo cacheado vermelho, usando um brinco grande, uma máscara preta no nariz e boca e maquiagem nos olhos, segurando à sua frente um cabide com uma camisa branca com bordado em preto.
Paula Muniz com outra das camisas bordadas por ela. Créditos: Maria Spector

Essa coleção partiu do meu encontro com a Maria, que somos vizinhas. Eu precisava reinventar os produtos, porque agora eu tinha que fazer vendas online, não tinha mais feiras para as pessoas conhecerem as peças, verem a qualidade delas, então eu precisava de um chamariz, foi quando a Maria apareceu e foi quando estreitamos relação.

O desenho da Maria foi um presente para o aprendizado da Paula, que foi ensinada pela Lena. O desenho era bastante feminino, delicado, doce, gentil, tinha a ver com abraço, tinha a ver com afeto, foi uma união incrível de símbolos e mais o bordado, tudo combinou muito com a Tcha. Teve muita sinergia até o final. E o final tem a ver também com um momento de muito afeto, muito amor, principalmente no fim do primeiro ano da pandemia, que estava todo mundo muito assustado.

Então foi uma realização que nos deixou muito orgulhosas, para mostrar que é possível a roupa estar num lugar além do consumo de uma peça, e estar no lugar do vestir esses corpos que são invisibilizados, do vestir com afeto, de trazer essa roupa sendo feita por mãos que precisam daquela remuneração de forma integrada, inserir essas pessoas de volta à sociedade, foi um grande presente essa coleção.

foto em close up não mostra o rosto mas mostra uma mulher de pele branca e tatuada, vestindo uma camiseta regata preta, unhas vermelhas, segurando em suas mãos uma camisa posicionada em um bastidor.
O delicado e cuidadoso processo dos bordados. Créditos: Maria Spector

RC > Que incrível Bruna! A gente agradece você nos contar em detalhes sua história, com tanto impacto positivo para a moda e para a comunidade transgênero. E sobre moda sem gênero, ainda há poucas opções no mercado, desejamos todo o sucesso nesta construção!

BV > Agradeço poder relembrar do processo da coleção porque ainda estamos numa pandemia, ainda temos muito desafios a enfrentar, mas é muito bom relembrar o momento, a sinergia, a força e a entrega, para nos dar gás para continuar inovando. A ideia é termos outras coleções perenes sobre os bordados com o Coletivo Trans Sol e a importância do trabalho delas junto com a Tcha.

Conheça um pouco mais da Camisas Tcha pelo instagram da marca @camisastcha.

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A Camisas Tcha nos mostra o seu compromisso de responsabilidade social e impacto ambiental, atuando ao mesmo tempo em dois pilares da sustentabilidade (ambiental e social), algo que a moda precisa começar a se conscientizar cada vez mais desse seu papel e como tudo está interligado. Com ações simples e eficientes, a Tcha nos traz o exemplo de COMO fazer, dando pequenos e significativos passos que transformam a vida das pessoas, e fortalecem a economia, abrangendo também, desta forma, o pilar econômico da sustentabilidade. Este tipo de abordagem é a resposta que precisamos para o mercado de moda, a moda tem a responsabilidade, e também a capacidade, de inserir no mercado as pessoas que são invisibilizadas pela sociedade.

O RELab Criativo apoia e endossa estas iniciativas de sua rede de parceiros e colaboradores, promovendo a educação e o conhecimento para que mais ações assim possam reverberar. Nos acompanhe também pelo nosso Instagram @relab.criativo

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